sexta-feira, 17 de julho de 2009

Xixi corporativo.

VALÉRIO: Como vai o estágio?
X: Indo.
VALÉRIO: Cadê o entusiasmo?
X: Ah, sei lá...tô de cara.
VALÉRIO: Dá pra ser mais específico?
X: O clima daquela empresa é uma merda. Às vezes, eu me sinto numa arena, cercado de gladiadores. Tô estagiando num departamento em que todo mundo ataca todo mundo e todo mundo se defende de todo mundo. E esse é o clima que rola em toda a empresa. É muito sinistro...a neura é geral.
VALÉRIO: O pessoal do andar de cima deve ser bem estressado.
X: Cara, o meu chefe, por exemplo, é um alucinado. É um reizinho e só desce do trono pra mijar todo mundo.
VALÉRIO: Na verdade, ele é só um repassador de mijadas.
X: Como assim?
VALÉRIO: Os reizinhos são mijados pelos reis, os caras que estão acima dos reizinhos no organograma do reino. Os reis são mijados pelos deuses, os presidentes das empresas. Os deuses, por sua vez, são mijados pelos nobres acionistas.
X: E os nobres acionistas, não são mijados por ninguém?
VALÉRIO: São, sim. Os nobres acionistas são mijados por um monte de gente.
X: Por quem?
VALÉRIO: Por esposas, amantes, filhos, credores, serviçais, proprietários de boutiques caras, de restaurantes da moda, de hotéis 5 estrelas, de revendas de carros de luxo, enfim, os nobres acionistas serão mijados por muita gente, se a grana deles não render.
X: É muito xixi pro meu gosto...
VALÉRIO: É... como diria Zygmunt Bauman, vivemos tempos líquidos.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

MBA ou o sono dos justos?

X: Vou fazer um MBA.
VALÉRIO: Porquê?
X: Por que preciso decolar...
VALÉRIO: Um vôo panorâmico pela cidade não seria mais útil?
X: Engraçadinho…
VALÉRIO: Desculpe, mas você está me dizendo que, se fizer um MBA, vai decolar na sua profissão, é isto?
X: É o que dizem.
VALÉRIO: Quem diz?
X: Todo mundo...
VALÉRIO: Então, todo mundo que faz MBA decola na profissão?
X: Cara, força de expressão!!!
VALÉRIO: Põe força nisso...
X: Quero ser um profissional diferenciado...

VALÉRIO: E vai fazer o que todo mundo faz... qual a sua idade?
X: 27
VALÉRIO: Está trabalhando?
X: Estou.
VALÉRIO: No quê?
X: No departamento de Marketing de uma grande empresa.
VALÉRIO: Há quanto tempo?
X: Dois anos.
VALÉRIO: A Direção da empresa sugeriu ou exigiu que você fizesse um MBA?
X: Não.
VALÉRIO: Você sabe quanto custa um MBA.
X: Uma grana...
VALÉRIO: Algo na faixa dos 30, 40 paus, com duração de um ano e meio, dois anos.
X: Caro, né?
VALÉRIO: O One Day MBA deve ser mais barato...
X: One Day MBA???
VALÉRIO: É, este curso tem duração de um dia e, na saída, o aluno leva um DVD. O anúncio deste prodígio pedagógico foi publicado em vários jornais de grande circulação.
X: Bom, tem picaretagem em qualquer área.
VALÉRIO: Mas, vamos em frente: quanto tempo você fica no departamento de Marketing da sua empresa?
X: O dia inteiro.
VALÉRIO: Você não tem contato com os clientes da empresa?
X: Muito pouco.
X: Me corrige, se eu estiver errado: você passa a maior parte do seu tempo na empresa, escrevendo e disparando e-mails, recebendo fornecedores, acessando o MSN, visitando sites da concorrência, participando de reuniões intermináveis, tomando litros (provavelmente de um café horrível) e, claro, pensando em como tirar o seu da reta se der alguma merda no departamento, certo?
X: Não é bem assim...
VALÉRIO: Mas também não é muito diferente...

X: É...
VALÉRIO: Honestamente, eu acho que você não precisa de MBA.
X: O que você sugere?
VALÉRIO: Ao invés de pedir licença do chefe pra fazer o MBA, diga a ele que, de agora em diante, você vai ficar fora do departamento três ou quatro dias da semana. Diga que você vai visitar os clientes da empresa para conhecê-los melhor. Diga que você quer visitá-los para perguntar, observar, entender como eles funcionam. Que você não quer mais apenas as respostas filtradas pela área comercial. Diga que você tem um sonho: quer ser um profissional de marketing diferenciado, quer decolar na profissão. E que, ao invés de pedir uma licença da empresa pra fazer um MBA, você prefere fazer calo nos pés, prefere levar mijada de cliente insatisfeito e que precisa ver a empresa em que você trabalha de um ângulo que o departamento de marketing, por incrível que pareça, não consegue ver. Ah, aproveite e diga também que você deseja mudar a sua rotina: gostaria de terminar o expediente com o terno suado e amarrotado, chegar em casa, exausto, tomar uma ducha, comer alguma coisa leve, cair na cama e dormir o sono dos justos.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Divã, por que não?

IPSILON: Tô procurando um coach.
VALÉRIO: É mesmo? Pra quê?
IPSILON: Preciso de orientação... não tô entendendo um monte de coisas.
VALÉRIO: Por exemplo?
IPSILON: Tô sentindo um monte de coisas estranhas.
VALÉRIO: Diz uma.
IPSILON: Por exemplo, batalhei pra conseguir um estágio numa agência de propaganda. Qualquer estagiário de Comunicação daria a vida por uma vaga nesta agência. Eu estou lá há seis meses. Os caras adoram o meu trabalho e querem me efetivar... carteira assinada e tudo...
VALÉRIO: E?
IPSILON: E não sei se quero continuar trabalhando lá. Aliás, não sei se quero trabalhar em Propaganda. Também não sei se quero continuar o curso de Comunicação.

VALÉRIO: Que idade você tem?
IPSILON: Esse é o problema! Cara, eu vou fazer 25 anos e ainda não tenho a menor idéia do que eu quero fazer na vida.
VALÉRIO: E por que você está procurando um coach?
IPSILON: Pra entender o que está acontecendo comigo? Cara, eu tô perdido.
VALÉRIO: Darwin também se sentiu assim, depois de criar a Teoria da Evolução... IPSILON: Pô, eu tô falando sério.
VALÉRIO: Eu também.
IPSILON: Eu tô com uma puta sensação de vazio, entende?
VALÉRIO: Claro que entendo. Eu só não entendi o coach?
IPSILON: Até onde eu sei coach orienta...
VALÉRIO: É aí que mora o perigo.

IPSILON: Não entendi.
VALÉRIO: Não levo fé nesta "new discipline". Aliás, este é mais um modismo corporativo que logo, logo vai pra lixeira.
IPSILON: O que você sugere?
VALÉRIO: Um psiquiatra.
IPSILON: PSIQUIATRA???
VALÉRIO: Cara, uma das características do nosso tempo é estar sempre acontecendo alguma coisa. A vida da gente passa por zilhões de retomadas, alternâncias e mudanças. E vivemos uma permanente oscilação entre o pessimismo e o otimismo, a depressão e a excitação, o abatimento e a euforia, o sentimento de vazio – tipo esse que você está sentindo – e os projetos mobilizadores. O moral da gente se transformou num ioiô.
IPSILON: Então?
VALÉRIO: Então, o que eu quero dizer é que isto que você está sentindo não é nada do outro mundo. Ao contrário, é algo bem deste mundo de hoje.
IPSILON: Saber disso não vai mudar o que eu estou sentindo.
VALÉRIO: Não, não vai. Você tem que se proteger deste toró hipermoderno.

IPSILON: Como???
VALÉRIO: Sugiro uma solução muito antiga. Aliás, há 2.400 anos já tinha gente propondo esta mesma solução.
IPSILON: Fala logo...
VALÉRIO: Autoconhecimento.
IPSILON: Autoconhecimento?
VALÉRIO: O velho e bom conhece-te a ti mesmo.
IPSILON: E a gente chega no autoconhecimento com a psiquiatria?
VALÉRIO: Também. A terapia é uma viagem pra dentro de você mesmo.
IPSILON: Não tinha pensado nisso...
VALÉRIO: O caminho até o autoconhecimento é punk.

IPSILON: Por quê?
VALÉRIO: Porque a informação que pode explicar os nossos comportamentos, os nossos vazios, dores e prazeres; a informação que realmente vale a pena ser acessada está muito bem-guardada (escondida) dentro de nós. Somos como os aviões: os dados que explicam os nossos acidentes de percurso também estão armazenados em caixas pretas. Quando abrimos as nossas caixas pretas, entendemos o que acontece conosco. Quando entendemos, geralmente, corrigimos. E, quando corrigimos, nos sentimos mais seguros e muito menos vulneráveis às inevitáveis chuvas e trovoadas da vida.



Diálogo 1

Z: Não sei o que fazer da minha profissional.
VALÉRIO: Que idade você tem?
Z: 18
VALÉRIO: Isso me tranquiliza.
Z: Porque?
VALÉRIO: Eu tenho 56 e ainda tenho dúvidas.
Z: !!!!
VALÉRIO: Ficou desapontada?
Z: Fiquei.
VALÉRIO: Porque?
Z: Por que com 56 não dá mais pra ter esse tipo de dúvida...
VALÉRIO: Porque?
Z: Ué, por que a maioria das pessoas da tua idade não tem dúvidas...
VALÉRIO: O que te faz ter tanta certeza disso?
Z: Sei lá...é a lógica.
VALÉRIO: Lógica?
Z: Sei lá, os coroas que eu conheço não têm este tipo de dúvida. O meu pai e a minha mãe, por exemplo, não têm dúvidas quanto à profissão.
VALÉRIO: Você tem certeza?
Z: Eles pelo menos nunca me disseram...

VALÉRIO: ...nunca deixaram transparecer?
Z: Acho que nunca.

Diálogo 2

VALÉRIO: O que você entende por profissão?
Z: Profissão é trabalho.
VALÉRIO: E trabalho?
Z: Uma maneira de ganhar dinheiro.
VALÉRIO: Só isso?
Z: Como assim, só isso?
VALÉRIO: Você sabe o que é vocação?
Z: Hmmm
VALÉRIO: A palavra vem do latim – vocare – e quer dizer “chamar”. Vocação é um chamado e vem de dentro da gente. É um sentimento que nos garante que existe uma coisa bela, bonita e verdadeira para a qual a gente quer entregar a vida.
Ipsilon: Pois é, eu não sei qual é a minha vocação.
Valério: Talvez você não tenha condições, neste momento, de saber o que ama e está sofrendo por causa disso.
Z: E não é pra sofrer com isso?
VALÉRIO: Digamos que você esteja certa e que os teus velhos não têm dúvida quanto à profissão que exercem. Certamente nenhum dos dois trabalham apenas pra ganhar dinheiro. Para eles, o trabalho deve ter uma porção de outros significados.
Z: Como assim?
VALÉRIO: É muito chato e penoso trabalhar só pra ganhar dinheiro, pra ficar rico ou pra posar de "profissional bem-sucedido". Como diria Rubem Alves, a profissão é uma ordem religiosa com papa, bispo, catacismo e inquisições. Ou você se entrega como uma religiosa ou corre o risco de passar a vida frustrada, estressada e infeliz, até que um dia vai querer chutar o pau da barraca, largar tudo e viver numa praia longe do trabalho. Você tem namorado?

Z: Tenho.
VALÉRIO: Você acha que ele é o grande amor da sua vida?
Z: Bah, não sei.
VALÉRIO: Você acha que é cedo pra saber e não pensa em casar com ele, certo?
Z: Certo.
VALÉRIO: Você aceita a idéia de que um grande e verdadeiro amor pode demorar pra aparecer na tua vida.
Z: Hã, hã!
VALÉRIO: Você não sofre com esta dúvida?
Z: Não.

VALÉRIO: Ou seja, você aceita o fato de que é preciso tempo pra encontrar um grande amor. Você se acha muito jovem pra ter certeza de que o seu atual namorado é o cara, mas se considera velha pra ainda ter dúvidas quanto a outro grande amor da sua vida: a sua profissão.
Z: Alguma sugestão?
VALÉRIO: Pensa menos na profissão e mais no amor.